Missionário de Itabuna Ad gentes prepara Páscoa em Moçambique

Missionário de Itabuna Ad gentes prepara Páscoa em Moçambique

Conheça mais um pouco sobre a experiência missionária de Padre Badacer Ramos de Oliveira Neto, da diocese de Itabuna-BA que, no ano passado, foi enviado para trabalhar em Moçambique. É mais um missionário do nosso Regional na missão ad gentes! Por isso, deixamos a palavra com ele.

“Gostaria de partilhar um pouco da minha primeira experiência de avaliações junto às comunidades que se preparam para os sacramentos na Páscoa.

Estamos em Moçambique no mês das chuvas, muitas chuvas. Começamos a primeira semana de avaliações para os sacramentos e, para mim, tudo é novo.

No caminho para a primeira zona, chamada Namaiove, a chuva cai torrencialmente e as estradas, além de esburacadas, estão alagadas, escorregadias e enlameadas; o nosso carro logo sente. Nessa região, os rios transbordaram e a água estava muito alta.

Superamos, enfim, todos os obstáculos e, na comunidade de Namaiove, encontramos os poucos cristãos que já estavam nos aguardando, juntamente com os animadores paroquias da catequese.

Fomos convidados para tomar o “mata-bicho”, isto é, o café da manhã: mandioca cozida com amendoim torrado. “Isso é uma maravilha nesse tempo de fome”, disse um ancião, da comunidade de Muvana, que se encontrava conosco naquele momento. E acrescentou: “Agora é tempo de fome na nossa paróquia, muita chuva e as sementes semeadas correndo o risco de não germinarem”. As pessoas de sua comunidade não podiam estar conosco devido à cheia dos rios e o risco dos crocodilos.

Em seguida, fizemos a avaliação de três catecúmenos, almoçamos e seguimos para a comunidade de M’Passo sob a chuva que não dava trégua.

Chegamos à nova comunidade sem chuva, à tarde. E logo fomos presenteados com um encantador crepúsculo que nos renovou as energias e nos impulsionou ainda mais no trabalho aos irmãos. Que privilégio Deus, chamado aqui de Muluku, concede tão generosamente àqueles que o seguem. Numa região cercada de rochedos, uma paisagem forte e delicada pelas cores que no céu são refletidas pelo descanso do sol.

Entramos na simples e rústica capela, erigida de adobe, coberta de capim. Também aqui, nesta comunidade, já nos aguardavam os irmãos.

De repente, testemunhamos uma infinidade de cores que se movimentavam, que se aproximavam, com intensidades de ritmos. Eram as mamás, envoltas em suas capulanas alegres e vibrantes, que traziam consigo, sobre suas cabeças. Em seguida, uma fila indiana, sem fim, de crianças, com uma galinha na mão, um feixe de lenha na cabeça. É a zona que se reúne para a avaliação no dia seguinte.

O silêncio imposto pelo crepúsculo é quebrado pela labuta daquelas mulheres que preparam a caracata sagrada que irá saciá-las, bem como a seus maridos e filhos, favorecendo uma noite tranquila e reparadora.

O dia amanhece com um pouco de sol. A avaliação acontece. E todos voltam, para suas casas, animados: o sacrifício que fizeram foi recompensado pela certeza de que receberão o presente maior de suas vidas, o Corpo e o Sangue de Jesus nos alimentos consagrados.

A fé desse povo nos machuca, tamanha beleza e entrega. “Tomai todos e comei.”

Diante de tamanho apelo, nós, que anteriormente tínhamos planejado voltar e nos refazer, em casa, para continuar a missão, ficamos por ali para, na manhã seguinte, nos encontrar com irmãos que haviam ficado ilhados no dia anterior e que, certamente, estavam nos aguardando. Eram trinta e quatro catecúmenos que nos esperavam para a avaliação e, que estavam impossibilitados de fazê-la devido às chuvas.

O dia foi de luz e calor. A chuva deu uma trégua para nós.

Após este encontro, as estradas nos conduziram à Zona de Metil e, não eram caminhos retos e fáceis, mas tortuosos e acidentados. Chegamos cedo à comunidade de Mpomoa, na Zona Metil.

Já pelo caminho apanhamos cristãos que, em procissão, se direcionavam a avaliação.

E, mais uma vez, admiramos toda a beleza da força dessas mulheres que desafiam a lei da gravidade, trazendo sobre suas cabeças seus mundos, suas casas: são panelas, colheres de pau, bacias, pratos, panos, esteiras e tudo envolto nas coloridas e vibrantes capulanas. O lugar ganha vida, cores, sabores. É a comunidade reunida. É a festa da vida.

A realidade marcada pela rotina entediante é cortada pela festa do encontro. A festa, aqui, tem Salmos durante a noite inteira, ritmados com o batuque dos tambores, ao redor da fogueira. É a vida se transformando em dança. A dança da vida na roda ou a roda da vida na dança, dinamizada pela ciranda da Trindade.

Aqui, fazemos também a experiência da fraternidade que vence o medo. As crianças daqui têm muito medo dos brancos. E são os próprios pais que colocam isso em suas cabeças, devido à violência que o povo negro, africano, sofreu e ainda sofre por parte dos brancos. Ainda hoje é comum ouvir histórias de crianças que são raptadas para o tráfico de órgãos e tantas outras barbáries. Mas aqui, justamente aqui, vejo que a fraternidade é o grande caminho para a superação do medo que a violência gera.

Terminado o trabalho e o almoço, o meu descanso é interrompido por um grito estridente e encantador que vem calar aos meus ouvidos na seguinte expressão: “Amigo! Amigo!” É a voz da criancinha com quem eu, logo cedo, tentava brincar, mas ela não me dera importância. Agora, eu era seu amigo; correndo, ela se jogou em meus braços e sorriu tranquilamente.

São tantos encontros que fazemos com Deus quando nos colocamos a caminho, quando, em meio a tantas imperfeições e incoerências, não nos instalamos no medo e no comodismo, mas nos fazemos peregrinos da reconciliação.

Em breve, enviarei mais notícias. Rezem por mim!”

1 de abril de 2014

 

Fonte: Site da CNBB NE3